14 dezembro 2006

Para sempre é sempre por um triz

Dia treze de novembro faleceu minha avó materna; Beatriz. Aos amigos, primos e família que direta ou indiretamente deram suporte nessa hora que por mais que a gente saiba ser inevitável é dolorida e um baque; meu agradecimento infinito. Fica registrada minha desculpa aos que não liguei ou avisei - haja cabeça... e eu não tive. Abaixo, texto escrito - sem revisão ortográfica - dia nove de novembro 00:29.

Complicada essa relação onde a fragilidade de sentimentos é aguda e surge em momentos inesperados. Com receio de perder o controle ou aumentar a ansiedade relativa a tal situação muitas vezes penso passar a impressão de pessoa fria ou indiferente; o que não é verdade. Não me faz bem alimentar um sentimento que pode gerar desespero e sofrimento desnecessário. Nem sempre me sinto confortável com essa minha atual postura, mas é a que sei fazer nesse momento diante da tal situação e ponto. Esse espaço virtual que mescla fantasia e ficção hoje se permitiu a um desabafo.

Dia 09 de novembro. Aniversário da minha avó Beatriz. Vó Bia. Oitenta e sete anos. Quinze netos. Oito ou nove bisnetos. Dois anos e meio com Alzheimer. Aos dezessete perdeu a mãe e sendo a irmã mais velha assumiu a responsabilidade da casa. Casou com meu avô - que faleceu dois anos antes dos meus pais casarem - e dos filhos que teve, seis estão vivos. Dizem que sempre foi mulher de gênio forte. As amarguras da vida fizeram com que ela tivesse dificuldade em dar e receber carinho. Talvez essa atitude tenha sido fator fundamental para suas filhas, no geral, serem mães super-protetoras. Freud explica... Sempre morou sozinha. Adorava ouvir rádio AM - isso inclui Gil Gomes e as suas narrativas dramatotrágicas. Adorava programa de culinária. Vivia anotando receitas e dessas muitas fazia. Com o tempo a coisa foi diminuindo e ela não quis mais saber do fogão. Indícios da doença.
Guardava o dinheiro na alça sutiã e a chave de casa também. Cuidava das plantas e arrancava os matos da chácara. Pessoa vaidosa. Sentava com as pernas cruzadas e coluna reta - postura impecável que era motivo de brincadeira na família. Ficava na chácara durante horas. Tirava uma soneca durante a tarde. Nas férias cedia a forma de gelo (de alumínio) para que fizessemos gelinho com Ki-Suco. Dela guardo a imagem de vó cabelinho branco algodão. Dando uma bronca aqui outra ali por causa das nossas artes e dizendo "..como você cresceu! Daqui a pouco me passa..." e não demorou muito para que todos os netos - sem exceção - ultrapassassem o um metro e meio de avó.
Suas demonstrações de carinho nem sempre eram verbais. Das reuniões dominicais ao café da tarde semanal onde café puro era servido com bolo e lanche no pão de forma com maionese, queijo, presunto e alface e as brincadeiras com os primos na chácara permitiam que nós soltássemos a imaginação como dividir times para fazer "guerra de picão" onde a equipe que tinha mais daquele mato no uniforme escolar ganhava. Podíamos pegar manga, amora e pitanga no pé. A chácara é uma das mais fortes referências que tenho da infância onde nos divertíamos, fazíamos pique-niques e sempre quebrávamos copos e a avó nunca ficava sabendo! Fazíamos festas juninas, colhíamos matos, pétalas de rosas e misturávamos com amaciante ou detergente e tranformávamos em perfume. Ah, também haviam regras: era expressamente proibido pegar amora quando usávamos uniforme porque manchava e as se acontecesse rendiam broncas inesquecíveis. Frutas como manga, abacate, fruta-do-conde, limão e banana estavam liberadas. O pé de café era nosso ponto de encontro.
Nas férias, eu e mais alguns primos dormíamos um final de semana na casa dela. No café da manhã tinha ovo com pão amanhecido. Durante toda tarde ficávamos na chácara e na hora de dormir ela doava a cama para que todos dormissem juntos. Ela dormi sentada no sofá - em frente a TV - com os óculos na cara com medo de algum de nós pisar e quebrar sem querer. Doação: sua prova de amor.
Hoje é praticamente impossível entender o que ela diz. Já não anda e precisa de ajuda para se alimentar. O mágico dessa história de vida é que hoje são os filhos - e a nora - que cuidam dela com todo o amor e paciência. Oportunidade e experiência única. A vida é ciclica. O que eu posso desejar para ela no dia do aniversário e os outros mais que virão é muita saúde e agradecer por proporcionar momentos lúdicos, afetuosos e memórias agradáveis. A bença minha vó.