10 setembro 2006

Segundo a ordem dos tempos

Sábado. Não passava das dez e meia. Sonolenta, esticou lentamente uma perna, depois a outra. No mesmo ritmo, alternava os braços e se contorcia ao espreguiçar vagarosamente - como uma gata - ocupando toda a cama. Ficou um pouco ali quieta sem pensar em nada. Tentou lembrar do sonho que teve na noite anterior e como de costume não conseguiu. Com o corpo devidamente alongado - e largado, ela mexia nos cabelos. Um leve acariciar. Ficou algum tempo assim; no silêncio. Uma sensação de bem estar tomou conta. Levantou. Usava uma camiseta branca, muito maior do que tamanho que veste e meias de lã. Noite fria. Amanhecer ensolarado. Teve a sensação de que estava em outra cidade. Outro lugar. Talvez fosse isso que seu inconsciente desejava: estar em outro lugar. Sozinha em casa ela atravessou o corredor, desceu as escadas e foi para a cozinha. Como de costume, preparou o café e preparou um pão com manteiga e queijo ralado. Folheou sem pressa uma revista que não lhe prendeu a atenção. O colorido lhe atraia mais do que a manchete. Aquela sensação de bem estar ainda lhe acompanhava. Decidiu que não olharia mais no relógio e tudo o que havia planejado fazer no dia ficaria para outra hora. Outro dia. Lavou o rosto, ajeitou os cabelos. Vestiu o que mais confortável tinha para a ocasião e saiu para caminhar pelo bairro onde morra. O rosto limpo realçava uma tranqüilidade que lhe fez questionar a veracidade daquela imagem que via através no espelho. Já na rua, observava tudo. Não havia muito movimento o que aguçou ainda mais o observar. Árvores e suas folhas caídas ao chão, pessoas, letreiro de ônibus e suas propagandas, pássaros e seus barulhos o que lhe fez pensar o quão resistente eles são nessa selva. Nada lhe escapava. Nesse tempo em que caminhava surgiam em desalinho ora lembranças, ora questionamentos e até mesmo sonhos e planos futuros. Lembrou de uma conversa que teve dias atrás - numa ocasião inusitada - com uma amiga não muito próxima, mas que deixou uma sensação de alívio. Poder falar abertamente de seus sentimentos, conquistas, frustrações e anseios. Reviveu o alívio daquele momento. Subitamente, olhou para o outro lado e na mesma direção que a dela, na calçada oposta viu uma cena que muitos diriam ser comum, mas lhe chamou a atenção e fez com que seu pensamento desaparecesse do mesmo modo que surgiu. Um senhor, seu neto e um cachorro. Caminhavam na calçada. Faziam brincadeiras e conversavam animadamente. O homem dizia algo para o garoto e esse o olhava atentamente. Por um curto espaço de tempo, tentou imaginar o que aquele senhor falava até que o garoto começou a rir e seu pensamento mais uma vez foi absorvido e a cena trouxe um sorriso em seu rosto.